quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Aniversário maningue nice!

Não, as velas não estão no copo de Coca; há um cupcake lá.
Ontem foi meu aniversário. O primeiro que passo fora do Brasil. Pra quem me conhece há mais tempo, sabe que aniversário costuma ser um dia que eu me tranco em casa, fico triste, desanimada e tudo mais. Porém, neste ano, a coisa foi bem diferente.

As comemorações começaram às 7h da matina, com meus colegas de curso de francês. Sou a única estrangeira da classe, e isso tem sido muito interessante. Pra comemorar meu dia, eles me prepararam uma surpresa: um aniversário à la Moçambique.

Levei o bolo e eles, a surpresa. Na semana passada, em uma das conversas de aula, eles me explicaram que aqui, quando se ganha um presente, não é de bom tom abrir na frente das pessoas. Isso porque, se você não gostar do presente, vai deixar a pessoa sem graça. E com gente curiosa, como faz? Não aguento!

Sabendo da minha curiosidade, e como parte da surpresa, os colegas me colocaram sentada em uma cadeira. Uma das colegas veio com um pacote de presente e ela mesmo abriu o embrulho. Dentro, duas capulanas - aqueles panos lindos e supercoloridos que as mulheres usam aqui pra tudo. Uma era pra amarrar na cintura, e outra era pra dobrar e deixar sobre o ombro. Também ganhei umas pulseiras de madeira, do artesanato local. Tudo lindo.

Mes collègues
Depois de devidamente vestida, cada um falou algumas palavras bonitas. E me explicaram que aqui o aniversariante é considerado um bebê. As pessoas fazem tudo por ele, o dia todo. Por isso, depois de sentada e vestida, fiquei lá, com eles me servindo bolo, suco, café. Confesso que achei o máximo!

Alguns desvios de percurso durante o dia me fizeram chutar pra longe meu inferno astral, com todos os palavrões merecidos. Por muita sorte que tenho, recebi telefonemas, mensagens, e-mails e mil demonstrações de carinho de todo canto do mundo, que me lembraram a toda hora que há muito mais amor  que esses dias nublados de inferno astral!

À noite, encontrei com uma galera num barzinho. Confesso que esperava por uns 15, mas o dobro disso compareceu. Tanto que tivemos que colocar mais mesas, deslocar pessoas das mesas do lado - obviamente eu, com aquela cara de "olha, mil desculpas, mas sabe como é, né, hoje é meu aniversário"/olhos de gatinho de botas do Shrek. Ganhei presentes, beijos, abraços, e a companhia das pessoas mais legais de Maputo.

Então, este post com ares de "Meu querido diário" é pra agradecer a todos pelas manifestações de carinho, telefonemas, mensagens, beijos, abraços e mimos durante todo o dia de ontem. Foi o primeiro aniversário longe de casa, mas repleto de alegrias e companhias (físicas e virtuais) de pessoas que fazem os meus dias mais felizes. Kanimambo!

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

A maldição do refresco

Corrupção é um mal crônico. Existe em todo lugar, e não serei hipócrita de negar. Mas, aqui em Moçambique, é algo tão constante que acaba incorporado ao dia a dia dos cidadãos, passa despercebido, faz cegar. Para além da obviedade da política, a corrupção de policiais é, provavelmente, o que mais choca branquelos perdidos e desavisados por aqui.

Logo que cheguei, fui alertada. Ando sempre com cópia autenticada de meu passaporte na carteira, um pouco de dinheiro, nada de cartões de crédito. Assim como em São Paulo, há sempre que se deixar a vista, na carteira, o dinheiro do ladrão. Os valores maiores ficam escondidos. Mas aqui, o risco maior não são os ladrões. São os policiais.

Depois de três meses de aventuras em terras moçambas, na semana passada, fui abordada no meio da rua por um policial e sua AR-15. Pediu meu documento. Mostrei a cópia autenticada. Estava tudo certo, entregou-me de volta e fui andando. Se não a tivesse comigo, certamente me ameaçaria, tentaria me levar pra esquadra e, por fim, pediria quanto eu tinha na carteira para lhe pagar "um refresco".

No sábado, porém, não tive a mesma sorte. Não entrarei em detalhes sobre as bizarrices que andam acontecendo pra me lembrar que estou no meu inferno astral. Mas depois de ter sido avisada que terei que mudar de apartamento pra ontem, ter perdido um almoço já pago (feijoada, por sinal) e de minha sandália ter arrebentado no meio da rua (tudo isso em menos de três horas), meu amigo Rogerson e eu fomos parados por um "polícia".

Ele estava dirigindo, me levando pra casa pra trocar de calçado, e eu, pelo que o policial argumentou, disse para ele virar em uma rua onde não era permitido. Havia uma placa indicando o sentido e nenhuma que proibisse a manobra. Passei hoje pela mesma rua, e confirmei que não há uma placa sequer proibindo que se vire à direita. De qualquer forma, a arma apontada pro carro acaba derrubando qualquer argumento.

Paramos, mostramos até a etiqueta das cuecas. Todos os documentos em dia. Aí começa a argumentação de que não se pode virar ali. O cara ameaça levar pra esquadra. Ok, vamos. Segura a carteira de motorista por vários minutos e decide chamar um colega, que estava na outra esquina.

O colega, com a maior naturalidade do mundo, pergunta logo de cara quanto temos na carteira pra resolver este assunto. A multa seria de 1 mil Meticais, algo em torno de R$ 70, mais pelo menos a nossa tarde inteira de tempo. Oferecemos 500, e ele sente-se ofendido. "Dá lá 700. Afinal, também somos pessoas que erramos". Vontade louca de sair e meter aquela escopeta goela abaixo, pra ver se endireita.

Mas melhor não discutir com dois caras armados, sem nada pra fazer no sábado à tarde. Logo depois, soube que, na noite anterior, alguns amigos também foram abordados. Um de carro, que teve os documentos praticamente sequestrados por policiais até que pagasse a quantia exigida. Outro de taxi, que também teve que pagar para que lhe devolvessem o passaporte. Se todo mundo que conheço aqui em Maputo contasse seus desprazeres com estes ratos, publicaríamos um livro!

E, antes de começar a maldizer o mundo, que fique apenas registrado o triste fato que, depois de três meses, fui batizada com o refresco maldito da polícia local.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

A tuga mais azarada de Moçamba

Aos poucos, coloco o assunto em dia. Pra começar, vou pagando uma dívida: contar a história da Cristiana, a portuga mais azarada que já pisou em solo moçambicano. Tentarei resumir.

Conheci a Cristiana no início de julho, lá na ActionAid. Eu havia acabado de chegar para meus nove meses de trabalho. Ela, para dois de estágio, onde faria entrevistas e pesquisas para seu mestrado. Simples assim, pero no mucho.

Na primeira semana que estava em solo moçamba, Cristiana levou um susto. Uma bela noite, quando voltava para casa, seu taxi foi parado por três "polícia". Antes mesmo de qualquer pergunta, dois entraram atrás, um no banco do frente, Cristiana no meio do carro, com duas AR-15 apontadas. Queriam ver os documentos, que ela havia deixado em casa. Então, pediram uma graninha para um "refresco", ou teriam que levá-la à esquadra (que é como chamam a delegacia aqui). Muito portuga que é, ela bateu de frente e disse que não tinha refresco com ela. O banco onde ela poderia sacar o dinheiro era perto da casa onde ela estava. Logo, se iam até lá, que fossem até a casa para que ela mostrasse o passaporte. Muita discussão depois, e depois dela insistir em ser levada para a esquadra, os malandros a deixaram em paz.

Tempo depois, a mesma portuga sai para uma caminhada. Passa em frente a uma construção gigantesca, com umas escritas chinesas na entrada. Calçada limpa, tranquila. Até que uns guardas começam a apontar as armas e fazer sinal pra ela sair de lá. Depois de muito xingamento é que ela entendeu que a calçada era da casa do presidente de Moçambique, e que lá não se pisa, não se buzina, não se respira. Qualquer forma de vida deve se limitar ao outro lado da rua.

No tempo em que esteve por estas terras, Cristiana se mostrou uma pessoa muito, mas muito animada para festas. Fui a algumas com ela, mas a maioria ela foi com a família da casa onde estava ficando. Moçambicanos, todos, com a branquela a tiracolo. Mas, com o tempo, a cordialidade do local deu espaço à insegurança.

Um dia, sua câmera fotográfica desapareceu. No outro, um par de tênis. Até que, uma semana antes de voltar pra Portugal, enquanto falava comigo ao telefone, a Cristiana foi abordada na esquina de casa por um jovem armado. Levaram seu celular com todas as gravações de entrevistas para o mestrado.

Há também que ser lembrado que, nas duas únicas vezes que apareceram baratas aqui em casa, adivinhem quem estava aqui? (Cristiana, juro, nunca mais apareceu barata alguma aqui em casa!!)

Já faz um mês que a Cristiana voltou pra Portugal. Eu e a turminha sentimos falta da delicadeza portuguesa, das piadas, das comidas, da companhia. Apesar dos pesares, e de saber que ela não vai querer nunca mais por os pés aqui em Moçambique, ela foi uma das grandes amigas que fiz por aqui. Daquelas que se guarda pra sempre.